Uma das funções centrais dos conselhos
de administração é orientar a atuação da diretoria-executiva, o que pressupõe
um entendimento profundo das atividades operacionais e do contexto estratégico
de cada empresa. A pandemia do coronavírus (Covid-19) representa um evento
dramático para qualquer organização, com fortes impactos imediatos no ambiente
de negócios cujas consequências ainda não podem ser integralmente
compreendidas. Nesse cenário de forte incerteza e constante turbulência, o
papel dos conselhos de administração torna-se ainda mais crítico.
Neste
artigo, discorremos sobre os principais desafios enfrentados atualmente por
conselhos de administração, tanto de empresas de capital fechado quanto com
ações listadas no mercado. Nosso objetivo é ajudar a identificar as diferentes
maneiras como os conselhos poderão apoiar suas empresas no enfrentamento dos
desafios impostos pela crise e a melhor forma de se adequarem para o novo modus vivendi que dela seguramente emergirá.
As iniciativas aqui elencadas estão
organizadas em três blocos, segundo a natureza do seu impacto: operacional,
estrutural e estratégica.
Operacional
Comitê
de Crise. A constituição de um comitê de crise
subordinado ao conselho de administração é uma iniciativa prioritária. Esse
comitê terá como missão principal compreender a exposição de natureza
financeira, operacional e estratégica da empresa que decorre da crise. O comitê
deverá ser responsável por elaborar e implementar um plano de emergência, a ser
aprovado pelo conselho, que englobe todas as áreas da companhia. Nesse
processo, o conselho deverá estabelecer uma comunicação direta e eficiente com
o comitê de crise, mantendo-se próximo e engajado.
Saúde
e Segurança. Em conjunto com a administração, o
conselho deve definir as políticas necessárias para proteger o bem-estar dos
funcionários da empresa, agindo com máxima responsabilidade para controlar a
disseminação da Covid-19, tanto nas suas dependências quanto nas comunidades em
que atua. As ações recomendadas incluem o monitoramento próximo e tratamento
imediato dos casos suspeitos ou de contágio confirmado de profissionais da
equipe, a aplicação das possibilidades de home office,
organização do trabalho em diferentes turnos e a observância das práticas de
prevenção recomendadas pelas autoridades de saúde. À medida que o número de
funcionários em sistema de trabalho remoto aumenta, o conselho deverá avaliar
se os procedimentos de segurança de dados adotados e a infraestrutura de
tecnologia da informação disponível permanecem adequados.
Cadeias
de Produção, Suprimentos e de Logística. Para
mitigar o risco de interrupção do processo produtivo, o conselho deve instruir
a administração a constantemente avaliar o fluxo de produção e o quadro de
fornecedores, buscando identificar alternativas para o processo produtivo e
para a cadeia de suprimentos. A revisão das práticas operacionais visando o
fortalecimento de ações cotidianas que tenham por objetivo a otimização dos
recursos e a racionalização de gastos torna-se vital. Adicionalmente, a logística
de aquisição de suprimentos e de escoamento de produtos deve ser regularmente
revisitada, levando à identificação de alternativas e à definição de planos de
contingência.
Comunicação
com Clientes. A comunicação com os consumidores
deve ser transparente e levar em conta os riscos potencializados pela crise. A
jornada do consumidor em relação aos produtos e serviços oferecidos pela
empresa deve ser guiada prioritariamente pelo melhor interesse dos clientes, ao
mesmo tempo que protegendo e preservando a reputação da organização. Durante a
crise, os canais digitais voltados ao relacionamento com consumidores devem ser
ampliados e monitorados 24 horas por dia. Esses canais terão papel ainda mais
crítico nas operações da empresa e servirão como fonte importante de informação
aos administradores — e ao conselho, por consequência — para a avaliação das
iniciativas de engajamento de clientes de uma forma geral.
Estrutural
Controles,
Sistemas e Profissionais-Chave. O
conselho deverá avaliar se a crise da Covid-19 pode colocar em risco os
controles internos e os sistemas de gestão da companhia. A necessidade de
investimentos para ampliar e fortalecer os sistemas de processamento de dados e
de comunicação remota também deverá ser determinada. Adicionalmente, o colegiado
deve solicitar que a administração desenvolva um plano de sucessão de
emergência, identificando as pessoas que possam intervir imediatamente para
suceder profissionais-chave (tanto em funções C-level quanto
operacionais) que por questões de saúde sejam obrigados a se afastar.
Divulgação
de Informações. O conselho de qualquer empresa
listada em bolsa deverá se assegurar de que a administração está fazendo todas
as divulgações públicas necessárias a respeito dos impactos reais e esperados
da Covid-19 em seus negócios e na sua condição financeira. É papel do conselho
de administração identificar os fatores de risco que precisem ser comunicados
ao mercado, assegurando-se de que a administração divulgará com clareza as
maneiras como a pandemia poderá impactar as operações da companhia. Exemplos
incluem o risco de interrupções nas operações da empresa decorrentes de
restrições de viagens, prolongamentos de quarentenas ou de medidas de
distanciamento social que afetem funcionários, clientes e fornecedores e que, consequentemente,
possam gerar atrasos na produção, ocasionar fechamentos de fábricas e lojas ou
comprometer as cadeias de suprimentos e de distribuição. Incertezas em relação
às condições macroeconômicas, globais e locais, que possam resultar em redução
de demanda, aumento significativo do risco de crédito ou elevação dos níveis de
inadimplência de clientes também devem ser consideradas. Outros pontos de
atenção incluem riscos de perda relevante em investimentos financeiros e a
necessidade de reconhecer baixas significativas de estoques ou de ativos
permanentes. Por fim, riscos de descumprimentos de cláusulas contratuais
ligadas a empréstimos e financiamentos e/ou impactos negativos decorrentes da
desvalorização cambial também devem ser reportados.
Diretrizes
de Resultados. Ainda no caso de empresas de
capital aberto, em particular aquelas que adotem a prática de oferecer
diretrizes de resultados ao mercado (guidance), será
necessário avaliar os impactos da crise nos resultados futuros e determinar a
necessidade de revisão de diretrizes oferecidas antes da crise. Devido ao
aumento da volatilidade de negócios decorrente da crise, o conselho poderá
considerar a suspensão temporária do uso de guidance até
que o ambiente de negócios volte a se estabilizar.
Insider
Tranding. Em tempos de incerteza, quando empresas são
chamadas a implementar novas medidas e a adaptar o curso normal de seus
negócios, os preços de suas ações em mercado estarão sujeitos a maior
volatilidade. É papel do conselho monitorar de perto e, se necessário,
restringir ainda mais a negociação de valores mobiliários da empresa pelos
seus insiders, aquidefinidos como qualquer pessoa que
possa ter acesso a informações não públicas relevantes relacionadas aos
impactos da Covid-19 (i.e., exigindo treinamento adicional e específico,
impondo períodos de blecaute ou aprimorando os procedimentos de
pré-autorização).
Estratégica
Saúde
Financeira. O conselho deverá avaliar, em conjunto
com a administração, o impacto financeiro de curto e longo prazos (incluindo a
capacidade de cumprimento das obrigações pela empresa) da pandemia de COVID-19
para a companhia. Nesse contexto, o conselho deve considerar, por exemplo, a
necessidade e a viabilidade de obtenção de novos recursos através de emissões,
públicas ou privadas, de capital primário ou de dívida, da abertura de novas
linhas de financiamento ou da venda de ativos julgados não essenciais. A
repactuação dos termos dos financiamentos existentes também deve ser
considerada pelo conselho, podendo, em casos mais drásticos, optar-se pelo
caminho da recuperação judicial.
Relações
com Acionistas, Ativismo e Situações Hostis. O
conselho deverá monitorar a comunicação da empresa com o mercado, mantendo-se
atento às preocupações de acionistas relevantes e acompanhando de perto as
mudanças no quadro societário. Para empresas com controle de capital difuso, os
conselhos deverão monitorar os movimentos de investidores ativistas bem
capitalizados, antecipando-se a quaisquer iniciativas oportunísticas e
potencialmente não alinhadas com os melhores interesses da companhia. O mesmo
aplica-se a ofertas públicas não solicitadas de compra das ações da companhia e
que possam ser lançadas por investidores estratégicos. Nesses casos, os
conselhos devem avaliar os impactos e benefícios para a empresa e seus
acionistas decorrentes da oferta em questão e, caso necessário, preparar-se
para ativar os planos e mecanismo de defesa disponíveis. Por fim, o
monitoramento próximo das condições de mercado e do comportamento das ações da
companhia poderá levar à decisão de lançamento de um programa de recompra de
ações ou até mesmo ao fechamento do seu capital.
Oportunidades
Estratégicas. O conselho deverá discutir com a
administração oportunidades de aquisição alinhadas à estratégia da empresa e
cuja execução não ofereça riscos maiores à sua saúde financeira. Em particular,
devem ser consideradas oportunidades de aquisição de empresas com bons
atributos operacionais, mas que tenham se tornado vulneráveis no contexto da
crise. Nessa mesma linha de raciocínio, o conselho poderá avaliar alternativas
de “fusão” com empresas que possam complementar a estratégia de negócios e
oferecer oportunidades para a captura de sinergias operacionais relevantes — um
argumento particularmente importante no enfrentamento de períodos prolongados
de crise.
Novo
Normal. Por fim, conselhos de administração precisarão
identificar quais as mudanças nas rotinas de trabalho e no ambiente de negócios
ocasionadas pela pandemia que terão efeitos potencialmente duradouros para a
empresa. Como exemplo, devem ser analisados eventuais impactos que a crise
possa gerar de forma permanente no comportamento e nas expectativas de
funcionários, consumidores e investidores de forma geral. Além disso, ao
término da crise, o conselho deverá ajudar a empresa a se preparar para a
retomada gradual de suas operações, assegurando-se de que os administradores
incorporarão ao negócio todo o aprendizado, as inovações e as melhores práticas
que, seguramente, surgirão do enfrentamento dessa crise.
As práticas e ações aqui descritas
apenas reforçam a relevância e o desafio imposto aos conselhos de administração
na aplicação das melhores práticas pelas empresas e seus administradores, num
momento de alta volatilidade e extrema incerteza, como o que estamos vivenciando.
Consideramos particularmente importante neste momento recorrer ao artigo 153 da Lei das Sociedades Anônimas que trata das responsabilidades dos administradores — lembrando que o mesmo se aplica também aos conselheiros de administração. Nele, está definido que “o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.” Note-se, ainda, que o parágrafo 1º desse artigo diz que “o administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática”.
Por
Nathaniel Wendling, Sócio-Sênior e Líder da Prática de Assessoria Estratégica da G5 Partners
Levindo Coelho Santos, Sócio-Sênior da G5 Partners
Referências
Bibliográficas:
https://blog.nacdonline.org/posts/covid-19-board-action#comments https://www.sidley.com/en/insights/newsupdates/2020/03/ten-considerations-for-boards-of-directors-during-the-covid19-pandemic