Empresa familiar precisa de diferenças, diz Cristine Grings, da Piccadilly
Matérias 13 de julho de 2018 Quando Almiro Grings, fundador da Piccadilly, soube que seu primeiro neto, aquele que levaria adiante o negócio da família, seria uma menina, ele se desesperou. Quem conta é Cristine Nogueira Grings, atual presidente da Piccadilly. “A segunda neta também foi menina. Só o terceiro foi um menino. Ele ficou apavorado com o que aconteceria. Acho que hoje, em algum lugar, ele deve estar feliz de ver como estamos conduzindo a empresa”, diz.
Comemorando 60 anos em 2015, a Piccadilly acaba de fazer a transição de comando da segunda para a terceira geração. “A empresa continua familiar, mas cada vez mais profissional”, diz Cristine. Aos 34 anos, ela assume os negócios no lugar do seu tio, Paulo Grings.
Com sete unidades fabris, a empresa produz 50 mil pares de sapatos ao dia, somando cerca de nove milhões ao ano. A marca está entre as cinco maiores do país em calçados femininos, tem 31 lojas, em nove países, e exporta 25% da produção. Cristine conversou com a reportagem de Pequenas Empresas & Grandes Negócios sobre a nova posição, os planos para o futuro e os desafios de gerir uma empresa familiar.
Como aconteceu essa transição da segunda para a terceira geração?
A gente vem de um processo que tinha até então a segunda e a terceira geração juntas fazendo a gestão. Iniciamos há dois anos um processo de governança. Entendemos que esse era um passo importante para um novo lugar. Só uma pessoa da segunda geração fica na gestão, com outras seis da terceira geração, com idades entre 30 e 40 anos. A empresa continua familiar, mas cada vez mais profissional. Nosso objetivo principal é conquistar a perenidade do nosso negócio. Apenas 12% das empresas conseguem chegar à terceira geração. Esse é um paradigma muito grande que nós temos o dever de quebrar.
Qual o papel da governança profissional nesse processo?
Dento desse processo de governança, assinamos um acordo com o objetivo principal de dar um norte para as nossas decisões e comportamentos, de assuntos complexos até mais os simples. Esse acordo foi construído por todos os acionistas da empresa e fala sobre a entrada de quarta geração, além de criar um conselho familiar, órgão para trabalhar com os valores da família, um conselho de sócios que fala sobre interesses de novos negócios e também um conselho de administração que é um respaldo da gestão. O Paulo Grings passa a ser presidente do conselho com outros membros da família que não estão na gestão. Estamos agora em um processo seletivos de conselheiros independentes, profissionais de mercado com um olhar externo bem imparcial.
Quais são os principais desafios de gerir uma empresa familiar?
Conseguir fazer com que deixem as diferenças e divergências em segundo plano e coloquem foco no negócio, que nos une e faz com que a gente abra mão de diferenças e crenças em prol da continuidade. É um exercício bem complexo para uma família e é possível.Além disso, a gestão com parentes tem outro desafio que é o conflito de interesses. Quando se fala de uma família empresária as emoções se misturam mais do que uma gestão unicamente profissional. Eu tinha discussões com o diretor de desenvolvimento de produtos e depois ele era meu pai em casa. O ponto principal é entender isso e enxergar os pontos fortes que nos unem, nos conhecendo mais nesse processo. Somos uma família extremamente focada, muito trabalhadora, desejando muito fazer que o sucesso nos concretize. Percebemos que tanto a primeira quanto a segunda geração conseguiram deixar uma marca muito forte.
Geralmente, as empresas familiares podem acabar mal. Quais características facilitam esse bom entendimento?
Ao mesmo tempo em que a nova geração é jovem, ela já foi bastante trabalhada. A gente recebeu muito suporte, teve um trabalho intenso de coaching que nos uniu muito e nos fortaleceu como grupo. Esse modelo que soma o nosso novo olhar, uma energia nova, desejo de trazer coisas inovadoras, à experiência que o conselho de administração nos agrega, ajuda a encurtar caminho em alguns casos. Buscams pessoas em que as diferenças sejam complementares. Quando somos diferente, isso permite que um complete o outro. A transparência, poder falar e não deixar que o papo acabe transbordando para o pessoal, também é algo positivo. Além de estar todo mundo no mesmo foco, de que está em uma causa tão grande que diferenças e conflitos são muitos pequenos.
Esse processo de profissionalização é bastante comum em empresas que vão abrir capital. Um IPO (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) está nos planos da Piccadilly?
Hoje, não tenho pensado sobre isso. Independente de abrir ou não capital, é legal gerir o negócio como se fosse chegar nesse estágio.
E o que vocês esperam da empresa a partir de agora?
Hoje, exportamos 25% da produção. Somos a empresa com maior diversificação de mercado nos últimos cinco anos, no mercado do Rio Grande do Sul. A Piccadilly exporta para 90 países, com sua marca mesmo, e essa é uma força muito grande. Sentimos essa recessão do mercado interno, mas entende que esses são períodos para alinhar as arestas, corrigir algumas questões. Quando o cenário está muito positivo o gestor não olha para coisas como reduzir custos. Quando o mercado voltar a crescer, estaremos preparado para crescer muito. É uma peneira no mercado e as empresas menos sólidas sofrem. Por não sermos totalmente focados no mercado interno, temos a possibilidade de olhar para outros mercados de atuação.
Você é jovem e mulher em um cargo de gestão e liderança. Como você vê a evolução das mulheres nos negócios?
Na nova diretoria, somos quatro mulheres e três homens. Quando meu avô soube que a primeira neta era menina ele se desesperou, pensando o que seria do negócio dele. A segunda neta também foi menina. Só o terceiro foi um menino. Ele ficou apavorado com o que aconteceria. Acho que hoje, em algum lugar, ele deve estar feliz de ver como estamos conduzindo a empresa.